sábado, 24 de maio de 2008

Sistema: doente, utente ou cliente?

Visão do paciente

Sistema

Tem uma carga bastante pejorativa, basta lembrarmo-nos da indústria futebolística ou de uma máquina imensa onde apenas somos uma peça. Ora, no meio desse sistema existe um rosto, uma pessoa, um ser com quem vamos lidar e a quem vamos expor / partilhar os nossos problemas ou limitações de saúde. Desse alguém que é o médico (não esquecendo todos os outros profissionais, o médico tem um papel chave na relação com o paciente) esperamos, no meu entender e em breves pontos, algumas “coisas”:

  • Pedagogia:

Explicar o que realmente afecta o paciente. Sem rodeios, mas com sensibilidade. Se necessário, não se deixar arrastar por aquilo que o paciente pensa que tem e tentar persuadi-lo disso.

  • Competência humana versus competência técnica:

A Medicina é uma ciência de grande exigência intelectual, mas não pode ficar para trás a componente humana. Tem que ser valorizada a técnica, mas aliada ao relacionamento pessoal. Um médico não poder ser apenas um “fazedor” de 18/19.

  • Papel social:

O médico tem relevo social não só pelos cuidados que proporciona, mas por ser uma espécie de confessor, seja através do sigilo profissional, seja também pela situação de fragilidade de muitos grupos sociais que diariamente contactam com ele: velhos que vivem sozinhos, crianças que sofrem maus-tratos, mulheres vítimas de violência doméstica, deficientes. Nos casos que assim o exijam, uma articulação com outros actores sociais na denúncia de certas situações é fundamental: psicólogos / assistentes sociais / professores / polícia(?).

É de grande responsabilidade, realmente. No entanto, o médico é, como o paciente, uma peça no sistema. Por isso, este tem o dever de respeitar aquele. Em conjunto serão mais fortes para ultrapassar os problemas.

Doente, utente ou cliente? Um bocadinho de cada.

Doente porque é por esse motivo que recorremos muitas vezes – excepto as de rotina – ao sistema.

Utente porque utilizamos os seus serviços.

Cliente, porque pagamos esse mesmo sistema. Curiosamente, a palavra cliente, também significa: “doente em relação ao médico

Algumas coisas ficam por dizer. Percebendo um pouco da mentalidade vigente, também se perceberá o sistema.

Sérgio Almeida, Porto


Visão do administrativo

Questão pertinente!

Já em outros locais de debate em que participei, no âmbito das questões da Saúde, a interrogação surgiu e as divergências nas respostas também…

Na minha opinião, o Cidadão que recorre a uma unidade de prestação de cuidados de saúde (Centros de Saúde, Hospitais, Clínicas, etc.) terá, na origem, de ser considerado Utente.

Porquê?

Porque o Cidadão que recorre à unidade de prestação de cuidados de saúde, antes de mais, é um utilizador dos serviços disponibilizados por esta, pelo que, a sua “condição base” será a de Utente.

E as condições de doente ou cliente, onde ficam?

Então vejamos! Serão dois ramos que poderão entroncar, separadamente ou em conjunto, na supradita “condição base”. Assim, pode ser que o Utente, pela sua situação clínica, seja também um doente e/ou pela relação contratual que estabeleceu com o prestador se torne um cliente, no entanto, o tronco que sustenta estes dois ramos, a condição de origem é a de… Utente.

Pelo exposto, se há uma condição que é, na minha opinião, o denominador comum das três “variáveis”, é então essa que melhor define a relação entre o utilizador e os prestadores de cuidados de saúde.

Já agora, alguém se lembra como é oficialmente chamado o cartão, requisitado nos Centros de Saúde, e que é obrigatório na identificação do Cidadão perante as Instituições do Sistema Nacional de Saúde?

Pois é!

CARTÃO DE UTENTE…

Parabéns ao dinamizador deste fórum pelos proveitosos debates de ideias que certamente irá produzir e, também, pela disponibilidade em conceder espaço às “Visões” dos vários actores que partilham o palco (com diferentes papéis, claro está) na prestação de Cuidados de Saúde aos Utentes.

Paulo Jorge Santos, administrativo, CS S. João, Porto


Visão do médico

1. O SNS tem sido "acusado" de ser apenas um Serviço Nacional da Doença já que os cidadãos apenas o utilizam quando estão com problemas de saúde, ou seja, doentes. Carece, assim, de importância a componente de promoção da saúde, de prevenção da doença.

2. De qualquer forma, hoje, os cidadãos estão cada vez mais cientes dos seus deveres e direitos e, portanto, exercem cada vez mais a cidadania – a participação nos destinos da sua cidade, seja porque influenciam directamente a escolha dos dirigentes (direito de voto), seja porque reclamam quando as coisas lhes parecem mal e assim julgam induzir correcções, seja ainda porque cada vez mais usufruem dos serviços que lhes são destinados.

3. No SNS coexistem, como em qualquer outro serviço, prestadores e utilizadores. Daí que os cidadãos sejam, todos, potenciais utentes. Enquanto utentes os cidadãos utilizam os serviços que lhes são proporcionados mas isso pressupõe alguma passividade por parte dos serviços.

4. Se, por outro lado, optarmos por classificar os cidadãos como clientes, pode entender-se que são os serviços que procuram ou chamam os utilizadores. Se fazem por isso, têm mais clientes. Mas a verdade é que os serviços querem é ter menos utilizadores. Os prestadores sentem que quanto mais utilizadores há mais difícil é a prestação. Por isso não procuram clientes.

5. Além disso, sabemos que uma organização com clientes é, supõe-se, uma organização que visa o lucro. Considerar que os utilizadores são clientes tem, consequentemente, uma perigosa conotação economicista.

6. Concluo, assim, que neste sistema, que funciona melhor do que o pintam, os utilizadores não devem ser meros utentes, nem pretensos clientes. Tão pouco devem ser doentes, ainda que o sejam. Na minha perspectiva, os utilizadores são afinal cidadãos e como tal devem ser tidos e respeitados.

Rosalvo Almeida, 61 anos, Neurologista actualmente sem actividade clínica, Coordenador do Gabinete do Cidadão da ARS Norte